Olá!

Vamos falar hoje então sobre a difícil arte de ser mãe e exercer outras funções ao mesmo tempo. Assinalo que irei focar mais especificamente na maternidade, ok? Por mais que os pais estejam assumindo cada vez mais uma postura diferente em relação à paternidade, quando comparados à maior parte dos pais de antigamente, o discurso materno referente à sobrecarga de funções diárias ainda é majoritário. Acredito que isso ocorra devido a questões culturais e sociais ainda muito arraigadas nos dias atuais.

Para iniciarmos essa conversa então, vou apresentar algumas ideias de um psicanalista e pediatra inglês, o qual já mencionei aqui em textos anteriores. Donald Winnicott afirmou que uma mãe possui algumas razões para odiar seu bebê. Você pode estar pensando: “Como assim? Ter razões para odiar meu filho?”. Isso mesmo, não escrevi errado! As mães podem ter sentimentos ambivalentes em relação aos filhos. Elas podem amar muito as crianças, mas odiá-las também, por que não?

Acredito que é válido que as mães possam abordar esse assunto com mais naturalidade e sem tanta culpa para que o exercício da maternidade não adquira um peso muito grande. Caso contrário, se você não pode admitir para si mesma que em alguns momentos não gostaria de estar ali com seu filho, o preço a ser pago para exercer o seu papel de mãe se torna muitíssimo alto, pois é como se tivesse que estar a todo momento se sentindo feliz e realizada. A vida real não é assim, não é mesmo?

Para além de cuidar dos filhos, você pode ter também contas a pagar,  necessidades de cuidados com a casa em que moram, problemas de trabalho, questões conjugais, entre inúmeras outras atividades não tão prazerosas. Sendo assim, diante desse contexto, pode ser bastante compreensível que em alguns momentos você deseje somente a sua cama e um bom filme para assistir, certo? Ou quem sabe pense em uma ida ao cinema para assistir a um filme que não seja infantil? Ou queira uma saída para um bar com amigas, como nos tempos em que não tinha filhos? Não há problema algum em querer isso e pode até mesmo ser bastante saudável!

Winnicott nos diz que não é bom para a criança que ela viva em um ambiente apenas sentimental, entendendo-se aqui que ele utiliza o termo “sentimental” para se referir a um cenário em que a mãe nega os sentimentos ambivalentes que pode sentir pelo filho. Sabemos que todos nós sentimos raiva em alguns momentos de nossas vidas, não é mesmo? Se a criança não vivencia esses sentimentos na mãe, como poderá experimentar esse sentimento nela mesma?

Isso significa afirmar que o ideal é que a criança possa viver em um ambiente em que a mãe tolere os sentimentos não tão positivos que sente pelo filho, sem fazer nada em relação a isso. Explicitei esse fato porque penso que admitir que se possa ter sentimentos considerados socialmente não tão nobres em relação aos filhos é um primeiro passo para que se consiga conciliar a função materna com as outras tarefas que a vida exige.

A maternidade não é sempre um mar de rosas, você pode estar cansada, desgastada e pode querer fazer atividades sem seu filho também. Entenda, está tudo bem em sentir e querer isso, você também é humana. Mães não precisam (e nem devem) ser super-mulheres o tempo inteiro e podem sim ter vida própria para além da maternidade.

 

Referência: Texto “O ódio na contratransferência”, 1947, em Da pediatria à psicanálise, obra de D.W.Winnicott., edição de 1978, publicada pela Editora Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, RJ.